Disneilêndias

sábado, fevereiro 25, 2006

Chapt 6.

O prefeito se decidiu por fazer um pronunciamento extraordinário àquela gente. Reuniu os habitantes em praça pública e começou a discursar. Estava, na ocasião, protegido com touca de natação e traje aeroespacial. Gordo como estava ficou com coxa e barriga completamente apertadas no couro branco da roupa. Começava a fazer calor. Muito calor.

- Meus caros e minhas caras, há quanto tempo sou o prefeito desta linda cidade e líder querido pelo povo?

Todos coçavam a cabeça.

- É mister - prosseguiu - que eu e a prefeitura tomemos uma atitude perante a calamidade dos piolhos.

Temia-se que a atitude tivesse a ver com a distribuição de fantasias engraçadas como aquela que o prefeito estava usando.

- Esta semana começo a trabalhar arduamente para acabar com pulgas, piolhos, lêndias, micoses e o homossexualismo de minha mulher com a empregada.

A esta altura, o prefeito era ovacionado com toda a energia que as mãos dos cidadãos conseguiram acionar.

- Com o meu colester...

- Veja, prefeito!

Um véu negro cobria o céu. O sol desaparecia totalmente e o vento uivava de maneira atípica. Cabelos e notas fiscais voavam. Até uma neblina apareceu. Todos sentiam frio, calafrios e frieiras. Olhavam-se com medo. Daí corriam em slow motion como no clip de miss sarajevo. Logo após ninguém mais se via. Uma atmosfera sinistra e elétrica tomava conta de Jardim das Valquírias. E, finalmente, aconteceu o que estava por vir.

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Chapt 5.

A raça parasita estava inequivocadamente agitada. Funcionários da prefeitura, advogados e fofoqueiros corriam para todos os lados sem saber que atitude não tomar.

Já é sabida a indisciplina reprodutiva dos piolhos. Inominável, indizível, inexplicável. Pulam de cabeça em cabeça. Alguns são nômades e a maioria topa qualquer aventura. É possível identificar preferências. Os couros menos lavados viram lar-doce-lar. A cabeça do único mendigo da cidade passa por uma especulação imobiliária complicadíssima. De conquistas sublimes, uma civilização estava nascendo. Um novo império.

Em Jardim das Valquírias - até esse post aquela associação ainda não se resolveu por outro nome - o cotidiano e os assuntos começavam e terminavam com coceiras indisfarçáveis. A tipografia até gostaria de aproveitar a epidemia para dirigir ataques às autoridades políticas, mas a impressão ficou sem responsável desde que o rapazote que dela cuidava se atirou dentro do maquinário afim de ter paz.


O medo, o pânico e a falta de informações fez os cidadãos despertarem para o significado da vida. Não faltaram compras exorbitantes por teleshop, infidelidades conjugais e guerras de travesseiro. A população estava se armando para o amanhã.

domingo, fevereiro 12, 2006

Chapt 4.

Mas nos reteremos por uns instantes naquela sala de consulta. O tratamento, alopata e ineficaz, começava a surtir efeito. O farmacêutico achava ter a cura, a mãe achava ter o que dizer a si e à vizinhança e o menino não achava nada além de ignominiosas lêndias se confraternizando no seu couro cabeludo. Coçar a cabeça estava se tornado um ritual cada vez mais versátil. Às vezes apelava para o garfo, o lápis, até a lixa da marcenaria já tinha usado destraidamente. Mas o pior era o isolamento. Ninguém queria brincar com nosso herói da cabeça semi-carcomida. Mas meu objetivo não é fazer meu leitor chorar copiosamente de pena, então vamos às atitudes meticulosas dessa criança.

- Mãe, posso dormir com a senhora?
- O que tem de errado na sua cama?
- Fora o fato de que ela não existe?
- Ahn?
- Mãe, durmo mal na rede todas as noites. Hoje quero dormir com a senhora. Posso?
- Você nunca me disse que não gostava da rede.
- Gosto mais da sua cama. - disse o garoto já se esparramando no colchão da mãe.
No dia seguinte já eram duas almas coçando a cabeça de maneira nervosa. Em breve seria a cidade toda.

sábado, fevereiro 11, 2006

Chapt 3.

Engana-se quem pensa que a vida nessa cidade é orquestrada pelo tédio. Você, caro leitor, já parou alguma vez para raciocinar porque a rede globo prefere ambientar boa parte de suas novelas em cidadezinhas supostamente pacatas? Porque é nesses lugares que se verificam as melhores e as piores qualidades humanas, concentradas, em profusão, ainda mais porque todos se conhecem e todos interagem. Assim funciona em Jardim das Valquírias, nome da cidade do farmacêutico e do garoto piolhento já referidos. Pensaram Valquírias serem as mais belas flores da Europa. Os descendentes dos fundadores da cidade nem estufam o peito diante da relevância geo-política do ato fundador, tanto é o mico refente à escolha do nome. Já tentaram batizá-la de Estrela do Norte, Jardim das Azaléias, porque essas sim são flores. Foi assim que nasceu a Associação Internacional Pesquisadora de um Novo Nome para o Jardim das Valquírias (AIPNNJV). É uma repartição liderada por uma comissão. Esta está subordinada à prefeitura. As reuniões acontecem geralmente quintas a noite no único lupanar da cidade, mas podem ter reuniões extraordinárias sábado na casa de jogos. É geração de emprego, renda e prosperidade.